Clarissa querida...
Bem, você tocou num ponto importante. E acho que o fez de modo provocativo, quase me dando a isca para uma contradição (estou aceitando os riscos). Na verdade, não posso dizer muito do “destino”, porque ele só me parece perfeitamente traçado, no sentido de fazer algum sentido, a posteriori, jamais a priori. Isso significa que, sim, eu consigo acreditar num “destino”, mas apenas como organização nossa, como construção nossa, não como um dado intrínseco à vida humana ou à biologia humana. A vida, em si mesma, com todos esses átomos e componentes químicos tamborilando de lá para cá, ainda não me parece fazer sentido algum. É a minha mente que confere sentido a tudo e que, provavelmente, traça destinos, cria deuses e fantasias para que tudo seja confortável (de fato, seria insuportável viver num mundo em que as coisas não fazem sentido).
Assim como você (mas com uma ligeira diferença), sou declaradamente fã de todas as construções mentais humanas, estejam elas no terreno da fantasia ou não. Não posso esperar encontrar um bruxinho como o Harry Potter por aí, mas admiro a fantasia envolvida. Ela nos diz sobre tanta coisa e, por isso, revela muito de nossas intenções, de nossas fragilidades, nossos medos, enfim, temas humanos, todos eles reais, dissolvidos em fantasia (fantasia que, a depender do momento, pode se tornar tão real quanto essa xícara de chá que está na minha frente). Tudo isso num simples Harry Potter? Sim, mas também na “Bela Adormecida”, no “Homem Bicentenário”, nas religiões, nas novelas, enfim. Parece que nosso sistema cognitivo é tão complexo que o real torna-se limitante, precisamos mesmo abrir as fronteiras para colocar à mesa tudo de que somos capazes.
É como se vivêssemos a dualidade representada no filme Matrix. Ou seja, dentro dela as possibilidades são virtualmente infinitas. Mas há sempre reflexos fora dela, reais, bem reais, que estão atrelados ao que se passa dentro da Matrix.
Quando você diz que sua realidade não precisa necessariamente estar em relação com os dados objetivos, e que – de certa forma – o que ocorre em sua mente já é um tipo de realidade para você, pergunto: como são possíveis instâncias éticas, políticas dignas, a partir dessa base conceitual? Como é possível um Direito nessa linha de raciocínio? Como fruir o sabor sem alguma presença do saber?
São questões que ficam.
Parece-me claro, no entanto, que a temática não se dissolve assim, fácil. Por exemplo, em epistemologia, fala-se com certa frequência da construção da objetividade.
O que isso diz para você?
Beijos,
G.
G.